
As companhias aéreas utilizam sistemas cada vez mais sofisticados para gerenciar inventário e maximizar receitas. Isso vale tanto para passagens pagas em dinheiro quanto para bilhetes emitidos com milhas. Dentro desse contexto, um conceito tem se tornado cada vez mais comum: os chamados “married segments” – traduzindo para o português: “trechos casados”.
Entender como essa lógica funciona ajuda a explicar por que, muitas vezes, um voo aparece disponível apenas quando combinado com outro trecho — e simplesmente desaparece quando buscado de forma isolada.
O que são married segments ao emitir passagens com milhas?
Married segments são trechos de voo que só ficam disponíveis para emissão quando vendidos ou resgatados em conjunto com outro segmento específico.
Na prática, isso significa que:
- Um voo pode não aparecer disponível se buscado como trecho único
- O mesmo voo pode surgir normalmente quando combinado com uma conexão
Exemplo prático
Até 2024, emitir voos da Aeromexico pelo Smiles em classe executiva tinha uma regra pouco intuitiva. Mesmo existindo voo direto entre São Paulo (Guarulhos) e a Cidade do México — que é justamente a rota operada pela companhia mexicana — o sistema do Smiles não permitia que essa emissão fosse feita apenas com esse trecho.
Na prática, o bilhete só aparecia como disponível se o voo internacional estivesse “casado” com um trecho doméstico da GOL até Guarulhos. Ou seja: a “origem” da viagem precisava ser outra cidade brasileira, como Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre ou Curitiba, com conexão em São Paulo.
Se você tentasse pesquisar apenas São Paulo – Cidade do México, a disponibilidade simplesmente não existia no sistema. Para o voo aparecer, era obrigatório incluir um trecho adicional partindo de outra cidade do Brasil.
Em 2025, esse cenário mudou. O Smiles passou a exibir a disponibilidade corretamente, permitindo pesquisar e emitir o voo diretamente a partir de São Paulo, sem a necessidade de incluir um trecho doméstico artificial.
O mesmo ocorre com a Iberia. Ao pesquisar apenas o trecho direto do Brasil para Madri em classe executiva, partindo de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife ou Fortaleza, a disponibilidade muitas vezes não aparece. Porém, ao incluir um segundo trecho dentro da Europa, como Lyon, Turim ou Berlim, o voo passa a ser exibido normalmente. Isso acontece porque o sistema exige que o trecho internacional esteja “casado” com outro segmento europeu.
Esse tipo de comportamento, conhecido como “segmentos casados”, se tornou cada vez mais comum nos últimos anos, especialmente em emissões de voos internacionais de longo curso.
Por que as companhias aéreas usam essa lógica?
O objetivo principal é maximizar receita e reduzir custo de oportunidade. As companhias sabem que:
- Voos diretos são mais valorizados pelos passageiros
- Muitos clientes estão dispostos a pagar mais para evitar conexões
Essa lógica já existe há anos nas tarifas pagas em dinheiro. Em muitos casos, um voo com conexão é mais barato do que um voo direto, mesmo sendo mais longo.
Com milhas, o raciocínio é o mesmo.
Ao liberar assentos apenas em itinerários com conexão, a companhia:
- Protege voos diretos mais “valiosos”
- Direciona a demanda para rotas menos disputadas
- Controla melhor o uso do inventário de assentos prêmio
Vale destacar que, em voos de companhias parceiras, essa regra é definida pela empresa que opera o voo, e não pelo programa de fidelidade usado na emissão.
É possível “separar” ou “divorciar” os trechos?
Na prática, não.
Mesmo que o sistema permita emitir os dois trechos juntos, não é possível ligar para a companhia e pedir a remoção de apenas um segmento. Os sistemas identificam essa tentativa e, ao tentar quebrar o casamento dos trechos, o assento deixa de aparecer como disponível.
Além disso:
- Agentes de atendimento não conseguem forçar a separação
- O sistema costuma retornar erro automaticamente
Ou seja, não existe um “atalho” legítimo para contornar essa lógica.
Por que você deve se importar com married segments?
Embora não seja algo que você consiga manipular, entender os married segments muda completamente a forma como você deve buscar disponibilidade.
Pontos importantes a considerar
- Buscar apenas o trecho longo pode ocultar disponibilidade real
- Adicionar uma conexão pode liberar assentos inexistentes em buscas diretas
- Em alguns casos, voar mais longe exige menos milhas
- A lógica de preço com milhas pode seguir padrões semelhantes aos bilhetes pagos
Em 2024, eu precisava voltar do Japão e queria fazer isso em classe executiva na Japan Airlines, usando milhas do programa American AAdvantage. A ideia era simples: voar de Tóquio para Chicago e, a partir dali, emitir um outro trecho separado até São Paulo usando o Azul Pelo Mundo, na executiva da United.
Quando fiz a busca apenas pelo trecho Tóquio – Chicago, não apareceu nenhuma disponibilidade na data desejada. Porém, ao pesquisar o itinerário completo Tóquio – Chicago – Nova York, o voo surgiu normalmente.
Mesmo sem intenção de ir até Nova York, o sistema só liberou o trecho internacional em classe executiva se ele estivesse “casado” com um voo doméstico da American Airlines, no caso Chicago – Nova York, ainda por cima em primeira classe. No fim, aceitei essa condição e emiti tudo por 60.000 milhas AAdvantage.
Outro caso aconteceu em uma viagem de Santiago do Chile para Washington, com conexão em Houston, usando pontos do antigo Interline do TudoAzul, hoje chamado de Azul Pelo Mundo.
Quando eu simulava apenas o trecho Santiago – Houston em classe executiva, o valor girava em torno de 100.000 pontos. Porém, ao incluir uma perna adicional até Washington, o preço caiu para 88.000 pontos.
Nesse cenário, o trecho mais longo foi emitido em classe executiva, enquanto o voo doméstico foi em premium economy.
Em resumo: a origem e o destino final influenciam diretamente o valor da emissão e também sua disponibilidade.
Isso explica por que muitos passageiros se surpreendem ao ver preços menores ao incluir um trecho adicional.
Conclusão
A lógica de married segments se tornou parte fundamental da gestão de inventário das companhias aéreas, especialmente nas emissões com milhas. Ela explica por que certos voos só aparecem disponíveis quando combinados com conexões e por que, muitas vezes, adicionar um trecho pode reduzir o custo da emissão. Entender esse mecanismo não cria “truques”, mas ajuda o viajante a buscar disponibilidade de forma mais inteligente, eficiente e alinhada à realidade dos sistemas das companhias aéreas.


Excelente conteúdo, Tico. Eu apelido aqui de “hidden routes”. Vale destacar que alguns programas até liberam mais assentos premium buscando dessa forma, com conexão para um destino não usual. Havia muita disponibilidade Tabela Fixa Latam voando Delta que tarifava para destinos como West Palm Beach, Daytona Beach, mas nunca para Orlando ou Miami. De igual modo Ibéria para Nápoles ou Lyon.
Grande Jefferson! Perfeita colocação… também podemos e se chama de “hidden routes”! Excelente contribuição! Grande abraço e apareça sempre!
Adorei conhecer seu blog, tem muito artigos bem interessantes. resultado do jogo da loteria dos sonhos das 14 horas