
Nos últimos quatro anos, o Brasil registrou um crescimento de quase 200% no número de ações judiciais contra companhias aéreas. Segundo dados da ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), hoje o país é líder mundial em judicialização no setor de aviação, superando com folga qualquer outro mercado. Esse fenômeno não é apenas um detalhe estatístico: ele tem impacto direto no preço das passagens, na entrada de novas empresas no mercado e, em última instância, no acesso da população ao transporte aéreo.
Crescimento descontrolado das ações
Entre 2019 e 2023, o número de processos contra companhias aéreas no Brasil cresceu 190%. A título de comparação, em mercados maduros como Estados Unidos e Europa, disputas dessa natureza são resolvidas de forma administrativa, por meio de órgãos de defesa do consumidor ou acordos diretos nos aeroportos. No Brasil, por outro lado, a primeira reação do passageiro, muitas vezes incentivado por escritórios de advocacia, é recorrer ao Judiciário.
A advocacia predatória e o ciclo vicioso
Grande parte dessa explosão de processos é alimentada por uma advocacia predatória, que instiga passageiros a ajuizar ações por qualquer atraso, cancelamento ou extravio de bagagem — situações que poderiam ser resolvidas no próprio balcão da companhia aérea ou via canais de atendimento.
O problema começa com a insistência de advogados, que oferecem seus serviços de forma massiva na internet, mesmo sendo uma prática contestável pelo próprio Código de Ética da OAB. O passageiro, muitas vezes fragilizado pelo transtorno da viagem, acaba aceitando o caminho do processo. O resultado é um ciclo vicioso: a empresa aérea acumula prejuízos e precisa repassar os custos em forma de tarifas mais altas. No fim das contas, quem mais perde é o próprio consumidor.
O paradoxo é cruel: o advogado, que muitas vezes nem tem interesse na aviação e em viajar, é quem mais lucra nesse sistema, utilizando a fragilidade do passageiro como fonte de ganho fácil, enquanto o setor se torna cada vez mais caro e hostil para quem depende do transporte aéreo.
A ausência de novas empresas e a concorrência sufocada
Um exemplo emblemático é o da Flybondi, companhia aérea argentina de baixo custo, que desistiu de operar no mercado doméstico brasileiro em 2023 justamente por conta do excesso de ações judiciais. A empresa declarou que não havia ambiente jurídico saudável para viabilizar o modelo de tarifas baixas no Brasil.
Esse tipo de barreira afasta a concorrência, mantém poucas companhias em operação e prejudica a democratização do transporte aéreo. A promessa de passagens mais baratas e maior oferta de voos acaba engolida pela incerteza jurídica.
Lições de outros países
Enquanto o Brasil se prende a um sistema que privilegia a judicialização e encarece o setor, outros mercados mostram que a racionalidade regulatória é o caminho para um transporte aéreo mais acessível.
- África: países como Líbia e Egito contam cada um com 10 companhias aéreas diferentes, competindo em um ambiente que prioriza equilíbrio regulatório. O resultado é mais concorrência, preços mais baixos e maior acesso da população ao transporte aéreo.
- Austrália: com dimensões territoriais semelhantes às do Brasil, mas população equivalente apenas ao Estado de São Paulo, o país abriga 16 companhias aéreas. Essa pluralidade é possível porque a legislação não cria um ambiente hostil às empresas. Lá, o passageiro tem proteção, mas as regras também consideram a sustentabilidade das companhias. O resultado é um setor vibrante, competitivo e acessível.
A necessidade de equilíbrio no Brasil
O Brasil precisa rever urgentemente sua forma de lidar com conflitos entre passageiros e companhias aéreas. Não se trata de enfraquecer os direitos do consumidor, mas de criar um sistema racional e eficiente, em que as disputas possam ser resolvidas rapidamente e sem a intermediação excessiva do Judiciário.
Enquanto a advocacia predatória se beneficia, o passageiro paga tarifas mais caras, novas empresas deixam de entrar no mercado e a aviação brasileira perde competitividade no cenário global. O setor não precisa de mais processos, mas sim de mais equilíbrio e de uma visão clara de que sem companhias aéreas fortes, não existe transporte aéreo acessível.

