
O universo de milhas e pontos em 2025 vive um paradoxo evidente. Nunca foi tão fácil acumular pontos, acessar cartões premium e sonhar com experiências de alto padrão. Ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil encontrar disponibilidade consistente, sweet spots generosos e aquela sensação de “jogo bem jogado” que marcou os primeiros anos desse mercado.
Ao olhar para trás, a mudança é estrutural. O “benefício” amadureceu, ganhou escala, virou negócio central para companhias aéreas e hotéis. E isso alterou profundamente as regras do jogo, para melhor e para pior.
Quando milhas e pontos eram um nicho (e funcionavam melhor)
Há cerca de três décadas – período que particularmente utilizo milhas para viajar o mundo – programas de fidelidade existiam, mas eram pouco explorados de forma estratégica. O acesso à informação era limitado, concentrado em fóruns e comunidades muito específicas. Poucos entendiam alianças, parcerias ou tabelas de resgate.
O resultado era simples:
- Ampla disponibilidade de assentos prêmio
- Valores fixos previsíveis
- Pouca restrição para parceiros
- Múltiplos stopovers sem custo adicional
Era possível emitir primeira classe intercontinental com facilidade, inclusive em companhias que hoje bloqueiam totalmente esse tipo de resgate para parceiros.
O que mudou: milhas e pontos viraram mainstream
O primeiro grande divisor de águas foi a popularização do tema. Milhas e pontos deixaram de ser um hobby restrito a um grupo técnico e passaram a integrar o imaginário coletivo do viajante comum. O assunto saiu dos fóruns especializados e ganhou espaço em redes sociais, vídeos e grandes portais, mudando definitivamente a forma como as pessoas se relacionam com programas de fidelidade.
Fatores que explicam essa transformação
Democratização da informação
Conteúdos curtos, redes sociais e influenciadores ampliaram o alcance do tema para milhões de pessoas.
Mudança de valores do consumidor
Experiências passaram a ser prioridade. Viajar melhor, não apenas viajar mais, virou objetivo.
Explosão do mercado de cartões
Bônus agressivos, multiplicadores elevados e acesso a salas VIP tornaram o acúmulo mais simples.
Produtos premium mais chamativos
Suítes com porta, camas duplas e até chuveiros a bordo elevaram o desejo por cabines premium.
Companhias mais eficientes (e menos ingênuas)
Programas de fidelidade se tornaram centros de lucro. Brechas foram fechadas, e rápido.
Por que o hobby ficou menos “divertido”
Para quem, assim como eu, acompanhou a fase anterior, a mudança é evidente. Hoje, o esforço para encontrar emissões realmente excepcionais é maior, enquanto o retorno se tornou menos previsível, exigindo mais pesquisa, flexibilidade e timing do viajante.
Principais perdas ao longo do tempo
- Disponibilidade premium extremamente limitada;
- Restrições severas para parceiros;
- Sweet spots raros e instáveis;
- Exigência de status elite para alguns resgates;
- Desvalorizações frequentes e silenciosas.
No setor hoteleiro, o movimento é semelhante. Hotéis aspiracionais seguem aceitando pontos, mas a disponibilidade real tornou-se cada vez mais restrita. Na prática, políticas como “sem datas bloqueadas” perderam relevância, já que a oferta efetiva de noites com pontos passou a ser limitada e imprevisível.
Status aéreo perdeu relevância estratégica
Outro ponto relevante é o declínio do valor do status elite. No passado, era possível atingir níveis elevados com custo relativamente baixo e, em troca, obter benefícios realmente concretos. Hoje, esse equilíbrio mudou, e o esforço exigido nem sempre se traduz em vantagens proporcionais.
Hoje:
- A qualificação é mais cara
- O custo de oportunidade é alto
- Benefícios são cada vez mais limitados
- Upgrades são menos previsíveis
Em muitos casos, comprar upgrades pontuais ou usar pontos de forma estratégica entrega mais valor do que perseguir status.
A grande virada positiva: nunca foi tão fácil acumular pontos
Apesar das perdas, há um avanço inegável. O poder de acúmulo atual é muito superior ao do passado, impulsionado por cartões mais agressivos, promoções frequentes e múltiplas formas de geração de pontos fora das viagens.
Cartões oferecem:
- Bônus de entrada massivos
- Categorias com 3x, 4x ou 5x pontos
- Pontos transferíveis entre múltiplos programas
- Uso direto como crédito para viagens
Isso alterou completamente a lógica do jogo. Antes, o foco estava em extrair o máximo valor de cada resgate. Hoje, o verdadeiro diferencial passou a ser a capacidade de gerar volume de pontos de forma consistente e eficiente.
Produtos aéreos e lounges em outro patamar
A experiência também evoluiu de forma significativa. O que antes era considerado luxo hoje virou padrão mínimo para muitos viajantes frequentes.
- Cabines com portas
- Serviço sob demanda
- Lounges premium com padrão gastronômico elevado
- Integração maior entre solo e bordo
Mesmo quando emitidas com pontos, essas experiências são objetivamente superiores às de 15 ou 20 anos atrás.
A nova estratégia para extrair valor real
O cenário mudou, e a estratégia precisa acompanhar essa nova realidade. Permanecer preso às lógicas do passado tende a gerar frustração, enquanto a adaptação se tornou essencial para extrair valor de forma consistente.
O que funciona hoje?
- Menos foco em status, mais em flexibilidade
- Cartões fortes superam programas tradicionais
- Compra estratégica de pontos pode valer a pena
- Planejamento flexível é decisivo
- Agilidade para aproveitar janelas curtas de disponibilidade
Disponibilidade não desapareceu — ela se tornou intermitente. Quem está preparado consegue capturar ótimas oportunidades quando elas surgem.
Conclusão: adaptação é a chave no mundo das milhas
O mercado de milhas e pontos em 2025 é mais profissional, mais competitivo e menos indulgente. A fase da abundância fácil ficou para trás. Em contrapartida, o acesso a pontos, produtos e experiências nunca foi tão amplo, ainda que mais fragmentado e sujeito a variações constantes.
Para o leitor, a mensagem é objetiva. Não se trata de nostalgia ou frustração, mas de adaptação estratégica. Quem compreende o novo funcionamento do sistema, aceita a volatilidade e mantém flexibilidade segue viajando muito bem — em muitos casos, melhor do que antes.
Milhas não morreram. Elas apenas passaram a exigir mais inteligência, melhor timing e leitura constante de cenário.

