O crescimento da comercialização de milhas
Nos últimos anos, a venda de milhas acumuladas em programas de fidelidade se tornou um fenômeno crescente. Balcões de milhas, agências especializadas e indivíduos oferecendo “oportunidades de lucro” transformaram pontos acumulados em um mercado paralelo.
Por trás dessa aparente facilidade de ganhar dinheiro ou viagens baratas, existe uma realidade crítica. Essa prática é uma fraude contra as regras dos programas de fidelidade. Passageiros honestos ficam prejudicados e a sustentabilidade das companhias aéreas é comprometida.
É importante esclarecer que essa fraude não é um crime segundo a legislação brasileira. Não existe uma lei específica que tipifique a venda de milhas como crime. No entanto, em países mais civilizados, onde se valoriza a ética e o cumprimento das regras contratuais, as pessoas respeitam as normas dos programas mesmo sem obrigação legal. Violá-las é considerado injusto e prejudicial para todos.
A violação das regras de programas de fidelidade
Programas de fidelidade foram criados para recompensar passageiros que utilizam os serviços das companhias aéreas de forma legítima. Cada milha acumulada está vinculada a regras que definem quem pode resgatá-la e em quais condições.
Quando terceiros compram ou vendem milhas, essas regras são quebradas. Contas podem ser usadas por pessoas que nunca voaram. Pontos são resgatados de forma irregular. A companhia perde controle sobre a distribuição de benefícios.
O resultado é claro: passageiros que seguem as regras ficam prejudicados e a integridade do programa é comprometida.
Impactos financeiros e estratégicos para as companhias aéreas
A comercialização de milhas não autorizada, não é apenas uma infração contratual: ela compromete diretamente a saúde financeira e operacional das companhias aéreas. Quando pontos vendidos de forma irregular são utilizados em resgates, as empresas deixam de ter controle sobre a ocupação de assentos, tarifas e promoções. O resultado é um desequilíbrio na gestão da malha aérea, que depende de cálculos precisos de oferta e demanda.
Esse efeito em cascata força as companhias a reagirem de maneira dura. Restrições mais rígidas, cancelamentos de passagens emitidas de forma suspeita e bloqueios de contas se tornam ferramentas cada vez mais comuns para conter o problema. Ao mesmo tempo, aumenta o custo de monitorar o sistema, já que é preciso investir em tecnologia e equipes especializadas para identificar irregularidades.
O mais preocupante é que o impacto não recai apenas sobre quem comete a fraude. Passageiros que utilizam o programa de forma legítima acabam sendo igualmente prejudicados. Os benefícios se tornam mais escassos, os resgates ficam mais caros e a experiência do cliente perde qualidade. Em outras palavras, o comportamento de poucos acaba destruindo a confiança de todos.
No fim, a comercialização ilegal de milhas mina a sustentabilidade e a confiabilidade dos programas de fidelidade. O que deveria ser uma ferramenta de engajamento e recompensa ao cliente acaba transformado em um campo de batalha, onde as companhias aéreas precisam se proteger e os passageiros honestos pagam a conta por culpa de alguns inconsequentes que insistem em oferecer balcões de milhas, usar agências de viagens para emissão com pontos, entre outros.
Fraudes complexas e riscos para o usuário
A comercialização de milhas não acontece isoladamente. Em muitos casos, ela está diretamente associada a fraudes sofisticadas, que vão muito além da simples troca entre pessoas. Clonagem de contas, uso de cartões de crédito roubados e manipulação de reservas são apenas alguns exemplos de como criminosos exploram esse mercado clandestino.
Essas práticas criam um ambiente altamente instável para as companhias aéreas, que precisam intensificar mecanismos de segurança e fiscalização. O problema é que, nesse processo, usuários honestos acabam entrando na linha de fogo. Não são raros os casos de clientes com histórico limpo que tiveram contas bloqueadas temporariamente ou resgates suspensos por mera suspeita de irregularidade.
É uma situação injusta, mas previsível. Quando o sistema é contaminado por fraudes, a reação das empresas tende a ser generalizada e dura. Assim, quem age de forma correta paga o preço das ações de quem tenta lucrar fácil com a venda irregular de milhas. O resultado é uma experiência de fidelidade cada vez mais restrita, burocrática e menos vantajosa para o passageiro comum.
No fim das contas, cada transação clandestina fortalece um ciclo perverso: companhias aéreas fecham ainda mais o cerco, reduzem benefícios e criam barreiras que atingem justamente quem mais deveria ser protegido, que são os clientes legítimos.
Decisão do STJ reforça a legalidade da proibição de venda de milhas
Em junho de 2024, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o que já era uma ameaça latente: as companhias aéreas podem proibir a venda de milhas nos programas de fidelidade, desde que essa proibição esteja prevista nos regulamentos. Essa não é uma formalidade jurídica: é um alerta vermelho para quem insiste em transformar milhas em dinheiro.
E o que isso significa, na prática? Imagine acumular pontos por anos e, de repente, ter sua conta bloqueada sem aviso. Foi exatamente o que aconteceu com diversos clientes de programas como Azul Fidelidade e Smiles. Em 2022, muitos receberam mensagens diretas e secas: suas contas estavam suspensas por até 90 dias após a companhia detectar “movimentações contrárias ao regulamento”. Durante esse período, não podiam resgatar, transferir ou sequer acessar seus pontos.
O mais preocupante é que alguns passageiros alegaram não ter vendido milhas e, mesmo assim, foram surpreendidos com bloqueios. Ou seja, o simples comportamento suspeito pode ser suficiente para a companhia agir. E agora, com o respaldo do STJ, as empresas têm cobertura jurídica para endurecer ainda mais as medidas: bloqueios imediatos, cancelamento de passagens e até perda total do saldo acumulado.
Não se trata de crime no Código Penal, mas de fraude contratual contra as regras do programa. E, em qualquer país onde regras são respeitadas, esse comportamento já seria motivo suficiente para exclusão. O Brasil segue pelo mesmo caminho: quem insiste em comercializar milhas deve ter em mente que está brincando com uma bomba-relógio.
O recado é claro: a companhia pode apertar o botão a qualquer momento. A decisão judicial deu às aéreas não apenas o direito, mas a obrigação de proteger a integridade de seus programas. Quem ignorar esse alerta pode acordar um dia sem conta, sem milhas e sem explicações.
Mudanças constantes nos programas de fidelidade e perda de benefícios
Outro efeito direto da comercialização irregular de milhas é a constante mudança das regras dos programas de fidelidade, muitas vezes pra pior. O que antes era um benefício acessível e previsível, hoje se transforma em um desafio cada vez maior. Resgates desaparecem sem aviso, tarifas e tabelas de emissão em pontos ficam mais caras e, muitas vezes, a mesma viagem passa a exigir o uso de muito mais milhas.
Essas mudanças não acontecem por acaso. São respostas das companhias aéreas para tentar proteger seus programas contra abusos e distorções criadas pelo mercado clandestino de pontos. Quando intermediários e vendedores tratam milhas como moeda de troca, as empresas são obrigadas a reagir endurecendo as regras e isso inevitavelmente recai sobre todos os usuários, inclusive os que sempre agiram de forma correta.
O impacto é visível: promoções realmente vantajosas tornam-se cada vez mais raras, assentos em rotas desejadas desaparecem rapidamente e os benefícios que antes diferenciavam os programas de fidelidade se tornam escassos. No fim das contas, quem insiste em comercializar milhas não prejudica apenas a companhia aérea, mas todo o ecossistema, retirando oportunidades de quem acumula e utiliza seus pontos de forma legítima.
O resultado é claro: passageiros honestos pagam o preço do lucro fácil alheio, vendo a experiência de viajar com milhas se transformar em algo restrito, caro e pouco vantajoso.
Consequências para passageiros legítimos
Grande parte do problema está na atuação dos chamados “balcões de milhas” e agências de viagens que baseiam seu negócio na emissão de passagens com pontos para terceiros. Muitas vezes, o cliente final sequer percebe que está viajando com uma passagem resgatada de um programa de fidelidade, acreditando ter adquirido um bilhete comum. Na prática, porém, trata-se de uma operação mascarada que fere diretamente as regras das companhias aéreas e gera desequilíbrio no sistema.
Essas empresas e intermediários transformaram um benefício pessoal em mercadoria de balcão, criando um mercado paralelo e clandestino de milhas. O mesmo vale para particulares que vendem seus pontos em redes sociais ou sites especializados. Embora se apresente como algo “inofensivo”, esse tipo de comercialização mina a integridade dos programas de fidelidade e acaba punindo o passageiro comum, que respeita as normas.
É importante deixar claro: a culpa não está nas companhias aéreas ao reforçarem regras ou limitarem promoções. A responsabilidade recai sobre aqueles que insistem em tratar milhas como se fossem dinheiro vivo, explorando uma brecha que nunca deveria existir. Cada vez que um balcão de milhas lucra com a venda irregular de passagens, todos os passageiros que utilizam os programas de forma legítima perdem, seja em forma de menos assentos disponíveis, mais restrições nos resgates ou encarecimento das tarifas.
Enquanto houver quem insista nesse comércio paralelo, os programas de fidelidade continuarão a sofrer ajustes e perdas. E, no fim, não são as companhias aéreas ou os intermediários que pagam o preço, mas sim o passageiro comum, que acaba privado das vantagens que deveria ter garantidas.
Conclusão: respeitar os programas de fidelidade é fundamental
Vender milhas pode até parecer uma oportunidade inofensiva, mas na prática trata-se de uma fraude contra as regras dos programas de fidelidade. Ainda que não exista uma lei que tipifique essa prática como crime, ela rompe com o contrato estabelecido entre o passageiro e a companhia aérea, enfraquece o sistema e gera consequências para todos. O risco, portanto, vai muito além de perder pontos: está em colocar em xeque a credibilidade do próprio mercado de fidelização.
Respeitar as regras não é apenas uma questão de formalidade, mas sim de responsabilidade coletiva. Quando os passageiros utilizam seus pontos de forma legítima, garantem que os benefícios sejam distribuídos de maneira justa, que as promoções continuem acessíveis e que os programas de fidelidade mantenham sua função original: premiar a lealdade de quem realmente voa ou consome os serviços das empresas parceiras.
Ignorar essas normas pode até trazer ganhos imediatos, mas mina lentamente a confiança no sistema. Cada fraude força as companhias aéreas a criar restrições adicionais, encarece resgates e reduz vantagens que deveriam estar ao alcance de todos. No fim, quem paga a conta são justamente os passageiros sérios, que acumularam seus pontos de forma correta e se veem cada vez mais limitados.
Por isso, denunciar práticas fraudulentas e seguir as regras dos programas é mais do que um dever individual, é uma forma de proteger a experiência de viagem de toda a comunidade. Só assim será possível manter os programas de fidelidade sustentáveis, transparentes e verdadeiramente vantajosos para quem joga limpo.